Um menino enfiou agulha na bunda do barbeiro, que rasgou o pescoço do cliente num grito de agonia traseira. O tal sumiu como um diabinho, que propositadamente obrasse a morte do homem engravatal. Este sorria no momento da desgraça inimaginável. O sorriso desceu vermelho para o pescoço e a boca se abriu num horror pela metade. Da outra metade só o Céu sabe – porque é pra lá que os sentimentos puros vão, mesmo os terríveis. A alma do homem e a outra metade do horror ficaram na navalha, que passou de barbeiro em barbeiro sem fazer barba direito (a alma do dandy não sabia fazer, apenas mandar), desgraçando todos os barbeiros pelos quais passava. A lâmina foi trocada diversas vezes, mas não se saciava; antes, ressentia. A alma do engravatado tomara gosto pelo sangue e, duras como a alma daquele pobre diabo, vivia a rasgar sorrisos com elas. Cada um desses profissionais – entre os quais Machado encontrou um homem sincero, finalmente apagando a lanterna de Diógenes –, enxergavam a maldição no salão de barbearia e lá mesmo largavam a navalha perniciosa, até que um desses profissionais, assustado, a atirou pela janela (defenestrou, se preferir).
Um malandro, que a encontrou desamparada no meio da rua, na vida rasgada que levava logo lhe deu serventia e percebeu a vocação da danadinha, que parecia viva! Tinha alma e princípios! Exceto com os medrosos e desesperados: esses ela rasgava sem piedade. Ela só poupava os valentes. Dava o susto e já valia. Valente que é valente sabe a hora de dar no pé. Então serviu bem por muito tempo, até que um dia a sorte trocou as navalhas e o malandro foi se barbear com a sua diaba. O espanto que o estrago provocado no pescoço do dono foi tanto, que superou o horror e libertou a alma do granfino. Brasileiramente apertaram-se as mãos (do jeito que podiam duas almas degoladas), se abraçaram e cada qual foi para seu lugar no outro mundo. Ouvi dizer que um foi parar num escritório eterno e outro numa prainha molíssima...